Refeição com apóstolos provavelmente aconteceu em móvel em U, o chamado triclínio.
Inconsistências nos Evangelhos não deixam claro se grupo celebrou a Páscoa.
Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo
Reprodução Concepção artística retrata os móveis provavelmente usados durante a Santa Ceia (Foto: Reprodução)
Esqueça a boa e velha mesa: ao contrário do que achava Leonardo da Vinci, a Santa Ceia provavelmente aconteceu em torno de um triclínio, um móvel baixinho e em forma de U que era o mais empregado em celebrações da Antigüidade. E, tal como os convivas dos banquetes gregos e romanos, Jesus Cristo e os apóstolos provavelmente comeram pão e vinho reclinados sobre a mesa.
A reconstrução da ceia, feita por historiadores e arqueólogos, baseia-se nos costumes prevalentes durante o século IdC em todo o Império Romano, inclusive na Palestina de Jesus. Achados arqueológicos em Pompéia e outros locais do Império mostram que os convidados de uma refeição entravam numa sala especial e logo se deparavam com o triclínio, que ficava com sua parte aberta voltada para eles, como um U invertido.
Essa abertura permitia que os alimentos e bebidas fossem trazidos para a “mesa” e distribuídos nela. Em volta dos braços do triclínio, os convidados se dispunham numa ordem hierárquica: o lugar de honra era o meio do “braço” esquerdo. Almofadas ou “tatames” especiais eram usados para acolchoar o chão em volta do triclínio. Para comer, os convivas se reclinavam sobre seu braço esquerdo e manuseavam alimentos e bebidas com a mão direita.
Ao longo do tempo, conforme os costumes se transformavam, a arte cristã passou a representar a Santa Ceia com mesas e cadeiras. Em várias comunidades cristãs, surgiu o costume de realizar banquetes que celebravam a morte e ressurreição de Jesus, os chamados ágapes, em que todos se sentavam à mesa para comer e beber.
Pintura de catacumba romana mostra o ágape, antiga festa cristã que se inspirava na Santa Ceia (Foto: Reprodução)
Páscoa judaica?
Algumas contradições entre os quatro Evangelhos deixam no ar uma dúvida sobre as circunstâncias exatas da Santa Ceia: teria ela acontecido como o banquete que celebra a Páscoa judaica, o chamado Seder? Os três primeiros Evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) dão a entender que sim, enquanto o de João parece dizer que não. A refeição festiva da Páscoa judaica é o começo das celebrações da libertação dos israelitas do domínio do Egito, e foi para celebrar a Páscoa que Jesus e seus discípulos viajaram até Jerusalém.
Se a Última Ceia foi realmente um Seder, dá para ter uma idéia mais claro do cardápio consumido por Jesus e seus discípulos: o pão necessariamente teria sido feito sem fermento, conforme a tradição judaica; além do vinho, haveria carne de cordeiro e ervas amargas. No entanto, não há menção ao cordeiro (animal de forte simbolismo religioso para os antigos judeus) nos textos bíblicos sobre a Santa Ceia.
Além disso, o evangelho de João diz que Jesus foi crucificado no dia da preparação para a Páscoa, ou seja, na véspera da grande festa judaica — tanto que os líderes judeus teriam pedido para que o corpo dele fosse retirado da cruz antes do início das celebrações. (O cadáver exposto transmitiria impureza ritual, “contaminando” o ambiente sagrado da Páscoa e do sábado judaico.) Se essa interpretação estiver correta, a Última Ceia foi apenas uma refeição festiva, sem ligação direta com as refeições pascais judaicas.
Meus comentários
Não há nenhuma contradição nos Evangelhos sinóticos (semelhantes), tampouco com a narração de João. Como judeu Jesus realmente celebrou a Páscoa, mesmo porque Ele precisava fazer isso tanto como judeu quanto para efetivar a transição da Velha para a Nova Aliança, com a inauguração da Ceia.
“…celebrarei a Páscoa com os meus discípulos…, Mt 26.18 e no verso 26: “Enquanto comiam….”, em Mateus 26.26 indicam que o Senhor celebrou a Páscoa, mas, a mesma referência indica que Jesus tomou o pão e o cálice e deu aos discípulos, dizendo: “Porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento…”, 28.
A Páscoa é judaica (da religião judaica), quando se comia o cordeiro (símbolo do próprio Cristo, pois Ele é o resgate, a redenção humana, em cumprimento a Gênesis 3.15, conforme João afirmara: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”).
As ervas amargas simbolizam o sofrimento no Egito, daí o significado de Páscoa (passagem – do Egito para a Terra Prometida).
Jesus instituiu a Ceia – “Porque Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”, 1Co 5.7 – que tem Nele o Cordeiro pascal e o sofrimento na Cruz. Portanto Ele deu um novo sentido e significado à Páscoa, com a instituição da Ceia – o pacto do Novo Testamento (“Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue…”, 1Co 11.25), enquanto a Páscoa é do Velho Testamento. Esta é dos judeus e aquela dos cristãos.
O apóstolo Paulo faz cair por terra toda e qualquer tentativa de mudar a indicação natural do texto, quando cita em 1Coríntios 11, a partir do verso 23, a cerimônia da Ceia. O versículo 26 diz: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha” (Antônio Mesquita)