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Ele já está na Casa do Pai (1)

Missionário norte-americano Orland Spencer Boyer

Quando a esposa do missionário norte-americano Orlando Boyer ficou doente, a Missão norte-americana, por meio de seu então presidente, pediu para que o casal voltasse para os Estados Unidos. Os dois foram recebidos no abrigo mantido pela Missão, para que ela pudesse receber tratamento médico.

Irmão Boyer (como era carinhosamente chamado e que ‘gastou’ toda a sua existência na Anunciação do Evangelho no Brasil, ao lado da esposa), viajou e passou a morar no respectivo abrigo.

Depois que sua esposa partiu para a Eternidade, ele recebeu da Missão 500 dólares, como uma espécie de seguro, para ajudar nas despesas do féretro. Em seguida, ele ligou para o presidente da Missão dizendo que aquela quantia não dava para fazer muita coisa, que estava enviando-lhe as notas da despesa que havia contraído, em especial as do funeral, por estar de passagem comprada para voltar ao Brasil.

Quando o pastor, espantado, tentou demovê-lo da ação, pois já estava muito velho, Boyer citou o versículo bíblico que diz: “Deixe que os mortos enterrem os seus próprios mortos”.

O presidente ficou extasiado. O que Boyer disse poderia caracterizar-se como uma afronta se partisse de outra pessoa.

– A Missão não me deve nada. Estou voltando para o Brasil, disse-lhe Boyer.

Quando o presidente da Missão tentou persuadi-lo a não voltar, pois já estava com 70 anos de idade, ele respondeu que sua chamada para a obra missionária era sem arrependimento. Disse que viveria no Brasil com os proventos da aposentadoria do Governo norte-americano – um sistema semelhante ao INSS.

– Olha, este valor só dá para comprar a passagem de volta para o Brasil, o que já fiz. O taxi está esperando aqui na frente, observou e, em seguida, desligou o telefone.

O presidente da Missão, de incontinente, ligou para a entidade solicitando ao responsável que não permitisse aquele “velhinho” saísse, especialmente para fazer uma viagem tão longa. Mas, Orlando Boyer já havia saído.

De volta ao Brasil

Sem dinheiro, Boyer chegou ao Rio de Janeiro em busca de um local definitivo para morar. Foi direto para Pindamonhangaba (SP), onde morou por cerca de dois anos, inicialmente no Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (Ibad). Depois foi para a residência de um casal, e posteriormente recebeu os cuidados de alunos, ao voltar a morar no Ibad.

Nestes períodos, escreveu e traduziu mais livros, além dos já escritos, praticamente os primeiros das ADs no Brasil, como os famosos Esforça-te para Ganhar Almas; Espada Cortante I e II (dois volumes de comentários sobre Daniel e Apocalipse) e Pequena Enciclopédia Bíblia (PEB), que até hoje vende.

Um verdadeiro servo

Em meados dos anos setentas, o aluno do Ibad Eliabe (nome fictício) cuidava do pastor Boyer (foto). Após um derrame não o missionário não mais possuía autonomia, nem mesmo para ir ao banheiro.

Todos os dias, Eliabe levava o irmão Boyer (como era conhecido) para tomar sol, no pátio da escola. Nós ficávamos ao seu lado, ouvindo algumas de suas experiências. Tínhamos de abaixar para ouvi-lo. Ele fava bem baixinho, mas nunca perdia o humor.

Um dia ele contou a fábula entre a lagarta e a borboleta. A lagarta apontou para a borboleta e disse:

– Eu não ando nisto aí nem por um milhão de dólares!

Soube também que ele pediu a saudosa irmã Doris (Ruth Dorris Lemos, diretora-fundadora do Ibad) para trazer-lhe um pacote de margarina do supermercado. Mas como também é norte-americana e no começo passou por algumas dificuldades, em função da língua, especialmente para a compra de alimentos, irmão Boyer indagou:

– A irmã sabe qual a diferença entre um elefante e a margarina?

– Não, respondeu irmã Doris.

– Então como posso ter certeza de que a irmã não me trará um elefante!?

De volta e lágrimas de quem queria ficar no Brasil

Quando morava em Pinda, irmão Boyer sentiu-se incomodado por achar que estava causando aborrecimentos. Após voltar dos EUA, ele passou a morar sozinho. Um aluno estava à sua disposição e até ganhava bolsa integral da escola só para cuidar do missionário.

Sem ter o domínio completo sobre si mesmo, o missionário que sempre trabalhou pelo país, agora estava recebendo ajuda, o que não o deixava à vontade, embora, penso, que ninguém soubesse disso.

Certa feita quando os diretores da escola estavam nos Estados Unidos, ele escreveu para David Harrisson, diretor do ICI em Campinas. O missionário David se recuperava de um tratamento de saúde, mas quando recebeu a carta de Boyer, percebeu que o amigo missionário precisava de sua ajuda.

“As letras já não eram as mesmas e indicavam para uma mão trêmula e sem o domínio de uma pena que traduzira e escrevera até então muitos livros, para edificação da Igreja de Cristo no Brasil. Não era mais o mesmo corpo que enfrentou e pregou ao gangaceiro lampião, no sertão cearense”, afirmou Harrison, emocionado.

Boyer pedia ajuda a Harrisson e queria sua visita. O missionário não hesitou e chegou a comentar com sua esposa, que mesmo em convalescência não poderia deixar de dar a atenção àquele homem de Deus, e rumou para Pinda.

Quando chegou à casa onde Boyer estava, bateu palmas e ouviu uma voz baixa e trêmula pedindo para que entrasse. Boyer dizia que não era justo dar trabalho às pessoas em um país que ele veio para ajudar e fazer a obra do Senhor. Queria voltar aos Estados Unidos.

Estava chegando ao fim de uma existência em prol da causa do Mestre. Depois de tudo preparado para a volta para os Estados Unidos, Boyer com o seu corpo já definhado, já estava praticamente pronto e preparado para encontrar-se com o Mestre. Não havia mais nada a fazer e nem forças também.

Quando missionário David Harrisson levava Orlando Boyer para os Estados Unidos, já no avião, percebeu que ele chorava.

– Irmão Boyer eu posso fazer alguma coisa pelo senhor, perguntou-lhe o colega missionário.

– Estou aqui pensando. Passei 50 anos no Brasil e agora estou indo embora, quem vai me substituir, devolveu-lhe Boyer.

Pastor David respondeu que não havia como substituí-lo, mas que podia prometer-lhe, que até à Volta do Senhor as editoras ligadas às Assembleias de Deus, como a CPAD, estariam dando continuidade ao seu trabalho de evangelização, por meio dos livros, pelos quais Boyer tanto se empenhou, traduzindo vários, além de escrever outros.

Pastor David continuou contando a história, com os olhos vermelhos em lágrimas e a voz embargada. Pelo mesmo motivo, também me emocionei, pois conheci irmão Boyer.

Com uma pequena mala e já debilitado pelo derrame, Boyer foi levado por David Harrisson de volta para os Estados Unidos. No avião, a companhia arrumou uma poltrona na primeira classe, para que o missionário pudesse deitar-se. Mas sob os olhos do colega missionário, ele ficava incomodado e ora queria deitar ora ficar sentado.

Ao chegar aos Estados Unidos não havia nenhum programa especial para recebê-lo. O clima no Rio, quando ele saiu, era de aproximadamente 40 graus. Quando chegou à cidade norte-americana, onde funciona o abrigo da Missão, estava nevando.

Boyer vestia somente um casaco como abrigo. Acho até que era aquele casaco surrado, com o qual se vestia para tomar sol lá no Ibad. Era marrom, notadamente velho e bem batido. Duas pessoas o esperavam. Uma do escritório de Missões e outra, um aluno do seminário, que trabalhava no lar. Harrisson conta que subiu à sua mente uma indagação a Deus.

– Como pode Senhor, um homem que deu a sua vida por um país estar neste estado e ninguém em especial, ou uma bela cerimônia para recebê-lo?

“O Senhor respondeu-me de imediato”, contou-me o missionário:

– Ele ainda não chegou em casa!

Cerca de dois meses depois irmão Boyer foi para casa.

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